Por: Renato Carvalho/Simi
O fundador da startup Seja Direto, Matheus Luiz, de 27 anos, é o #PerfilEmpreendedor desta semana. Natural de Sete Lagoas, mas morando na capital mineira desde 2010, o empreendedor conta um pouco sobre sua startup, avalia o empreendedorismo nas universidades e destaca o potencial dos ecossistemas do interior.
Confira a entrevista completa:
SIMI: O que faz a Seja Direto?
Matheus: A Seja Direto faz gestão de marketing e vendas, ajudando as operações de vendas. Há um tempo o processo de venda era analógico. Se você quisesse comprar alguma coisa mais complexa, como um carro, uma casa, era preciso interagir com o ponto de venda. Você ligava e ia no local, de forma analógica. Hoje, a gente antecipa essa interação, o ZMot, o momento da verdade, para o ambiente digital. Então, antes ir até uma concessionária e comprar um carro, entro no site, na campanha do Facebook, no site do marketplace. Isso gera múltiplos canais, mas traz um problema: gera também muito lead, que é o cara que quer comprar. Mas esse lead não é bem tratado e se perde. Nosso primeiro cliente, que ainda é nosso cliente, foi uma operação de revenda de automóveis grande daqui de BH. Eles tinham uma equipe de cinco pessoas e chegava um número alto de leads por semana de seis sites diferentes. Imagina? Chegam 20 hoje e eu tenho que tratar esses caras por 30 dias. Amanhã, chegam mais 20, e isso ficava perdido nas caixas de e-mail. Era um caos. Então, a gente organiza todas as fontes de lead e posicionamento digital em um lugar só. Distribuímos automaticamente para a equipe de vendas e ajudamos, com um sistema extremamente simples, a fazer a gestão disso. Os clientes foram atendidos? Foram bem atendidos? Foram mal atendidos? Em quanto tempo foram atendidos? Quais fontes de leads geraram mais retorno no final do mês? Temos crescido bem. Agora estamos em expansão para o Distrito Federal e para o Sul do país, para grandes grupos de concessionárias. Muita gente que usava o Pipedrive está migrando em massa para o Seja Direto.
SIMI: Como foi o processo de encontrar essa dor de mercado?
Matheus: Foi um processo até atípico. A Seja Direto nasce, comigo como braço executor, junto com uma aceleradora de empresas em que eu trabalhava, que era uma aceleradora de baixa escala. Certo dia, chegam dois investidores-anjos, irmãos, do segmento imobiliário e automobilístico com essa dor na mão. Eles tinham trabalhado muitos anos com operações comerciais desse tipo e viam que as pessoas apanhavam para captar leads. Não davam conta, perdiam muito, convertiam mal e a experiência do cliente final era ruim. Eles tinham algum capital, tinham a ideia, tinham acesso, mas não tinham braço para operar. Na aceleradora, começamos a fazer as primeiras rodadas de validação e, depois disso, eles me chamaram para entrar e começar a puxar o bonde. Nesse momento, convidamos um terceiro parceiro que tinha uma expertise muito grande no mercado automobilístico. Formamos um consórcio, comecei a operar e a startup começou a evoluir.
SIMI: Como foi sua caminhada no empreendedorismo?
Matheus: Sempre quis ser professor. Tenho uma paixão por educação e na faculdade de Engenharia de Produção da UFMG comecei a conhecer esse ambiente de inovação. O professor Cheng, um grande mestre que orientou meu mestrado, fez uma provocação um dia. “Matheus, a gente vende um quilo de minério para a China, sei lá, a R$ 15, 20, algo assim, e a gente compra um quilo de celular a mais de R$ 1 mil. Está ficando tudo lá fora.” Pensei: “caramba, a gente precisa fazer algo”. Foi então que comecei a me apaixonar por inovação, trabalhando em grandes empresas, focado em desenvolvimento de produto, de serviços. Na grande empresa, eu ficava um pouco em consultorias, mas o processo era muito mais lento. Aí, o professor me chamou para ajudar em uma startup da Física e comecei a achar fascinante. Porém, ainda estava pensando em ser pesquisador. Nesse caminho me formei, trabalhei um tempo com o pessoal da Física. Foram muitos desafios, ainda mais tirar uma startup hardtech do papel. Decidi procurar um lugar para fazer um mestrado, comecei a fazer uma sondagem, queria pesquisar sobre método de gestão aplicado à startup. Conheci a aceleradora. Lá, usavam [o método], eu ia lá para aprimorar o processo. Ou seja, meu contato com a aceleradora foi via interesse de pesquisa. Porém, entrei e tinham vários projetos, de startups caminhando ou algumas em validação. Uma dessas era a Seja Direto. Gostei bastante e comecei a me dedicar profundamente. Achei a dor muito válida. O grande motivador foi sempre essa questão: “o que a gente pode fazer para criar valor aqui”. Via muitos colegas da faculdade reclamando que não tinha estágio, mas eu pensava “é claro que a gente não tem emprego de engenharia no Brasil. A engenharia está toda lá fora. Sobra a montagem, que, com todo respeito, não tem tecnologia”. Então esse impulso me levou a começar com a Seja Direto de uma forma meio surpreendente. Eles me chamaram para ser o fundador, para tocar o negócio mesmo. Acho que não saio dessa mais.
SIMI: Como você avalia a importância da universidade no fomento de empreendedorismo e da inovação?
Matheus: Sou um entusiasta disso. Inclusive estamos caminhando para ajudar em algumas conexões do Seed com a UFMG. Embora tenha alguma coisa dos ecossistemas mais maduros de inovação que não dá para copiar, uma coisa é constante: a universidade é um celeiro muito grande. Seja da tecnologia, em si, seja das pessoas, o que é um insumo muito interessante. Esse laboratório do qual eu vim já criou, se não me engano, seis empresas. Todas elas estão caminhando bem. Não se pode criar inovação e empreendedorismo sem universidade. É indissociável. Em nenhum lugar do mundo se faz isso, sem, no mínimo, uma instituição de ciência e tecnologia forte. Existem vários desafios, e não é só no Brasil. Estive na [Universidade] de Berkeley recentemente, e um professor me contou que há 10 anos ele era perseguido. Os outros professores falaram que ele estava em outra dimensão. E não é um tempo tão longo, se for pensar em Berkeley, no Vale do Silício. Aqui temos todos esses desafios, mas a gente precisa encontrar meios de robustecer isso. Temos uma UFMG aqui, várias universidades boas no estado e no país. Isso tem que virar negócio, tem que virar valor econômico.
SIMI: Mas qual é a maior dificuldade do empreendedorismo nas universidades?
Matheus: Existe a questão do mindset, de cultura, mas uma coisa que a gente precisa entender – e eu conheço bem os dois lados – é que os dois lados falam línguas bem diferentes. Precisa de uma tradução. Quais línguas são essas? O timing dos dois ambientes são diferentes. Meu timing na startup é para ontem. Meu timing como pesquisador no doutorado é para daqui a três anos. O nível de profundidade é outro, mas as métricas são diferentes. Na startup, sou cobrado porque preciso ter retorno financeiro rápido, preciso manter time, crescer em uma taxa que justifique o investimento. Já a universidade precisa de artigo, de bolsa para alunos, de ações de extensão. Não acho que isso é necessariamente um problema. A universidade é isso, em grosso modo, no mundo inteiro. A universidade traz a tecnologia em early stage, muito incipiente, e a empresa precisa de uma tecnologia mais madura. São várias questões que precisam de uma tradução, de um intermediador para que aconteça. Essas línguas diferentes precisam ser traduzidas para que a coisa opere. Para que a empresa olhe para a universidade e fale: “de fato esses caras não resolvem esse tipo de problema, mas tem um tipo de problema que eles resolvem muito melhor e me dão muito valor agregado”. E a universidade olhe para a empresa e fale: “de fato esses caras têm uma necessidade que não posso suprir, mas em algum canal isso se encontra”.
SIMI: Vocês estiveram no Seed na 4ª rodada. Como foi a experiência na aceleração?
Matheus: Foi muito legal. Até brinco que antes de entrar no Seed eu tinha algumas ressalvas. Não queria mais participar de um programa de aceleração com a Seja Direto, achava que não fazia muito sentido, pelo fato de a startup ter nascido em uma aceleradora. Embora o modelo seja diferente, o conteúdo é o mesmo. Um dos investidores incentivou a tentar. Me convenci, entrei, com pouca expectativa, e pensei “tomara que não nos atrapalhe”. Mas fiquei extremamente surpreso. O Seed foi muito interessante. O Bruno foi meu agente de aceleração, mas todos os outros agentes são extremamente competentes, pessoas com experiência. O processo de aceleração é muito robusto. Sou pesquisador, sou especialista em método, e os métodos que a turma usa são muito bons. Estávamos com desafio de contratação, desafio de alguns contatos de grandes empresas e o Seed ajudou muito. A gente cresceu cinco vezes estando na aceleração. Amadurecemos muito como empreendedores. Foi um processo muito legal, tanto que ficamos o quanto podia. Saímos recentemente. Fomos meio que incorporados por uma empresa maior. O Seed hoje permanece como uma marca. Fechei uma conta muito boa lá no Sul. A conversa muda quando chegamos lá e falamos que passamos por uma das maiores aceleradoras da América Latina. Foi bem legal.
SIMI: Como é o ecossistema de inovação de Sete Lagoas? Você tem muito contato por lá?
Matheus: Tenho. Eu fico muito feliz. Uma coisa fantástica do Seed é esse retorno que ele prima oferecer para a sociedade, através do programa de difusão. Eu não tenho experiência em outros programas de escala, mas o fato de o Seed ser uma iniciativa que vem do dinheiro público, ele dá liberdade de operação para muito benefício, tanto da startup, quanto do ecossistema. Fui para Sete Lagoas conhecer a galera do Santa Helena Valley, o Marcelo Sander, o Thiago. Eu fiquei animado, porque eu mesmo, que sou de lá, não sabia que estava tendo essa movimentação. Lá tem uma turma boa, crescendo. Estou no grupo do Whatsapp e direto estão fazendo ações.
SIMI: É bacana descentralizar e levar a inovação para outros lugares do estado…
Matheus: Sim, é muito importante porque aqui em BH podemos ter uma competência X, mas cada cidade, cada ambiente tem sua vocação. É assim que a gente robustece a coisa. Em Minas Gerais temos grandes universidades, não dá nem para citar. Então isso é bem legal e favorável.
SIMI: Qual avaliação você faz da Seja Direto hoje e o que você espera para este final de ano?
Matheus: Estamos quase chegando na meta do fim do ano. Estamos bem animados. É a meta de ter um equilíbrio financeiro, passar um pouco do break-even e contratar um pouco mais de gente e reduzir bastante o risco do negócio nessa perspectiva. Era uma meta que tínhamos traçado para o final do ano e estamos às vésperas de chegar, um mês provavelmente. A gente está encontrando um novo segmento de mercado, bem interessante, bem virgem, então espero estar, no final do ano, quatro, cinco vezes o tamanho que estamos hoje. [Espero] ter uma parceria com um grande player do mercado imobiliário nacional, que já estamos costurando, que pode nos fazer crescer em três anos 20, 30, 40 vezes. Então realmente espero que a empresa se solidifique, cresça o potencial que tem. Uma coisa que falo sempre, e isso espero muito pessoalmente, é fazer empresa de um modo diferente. Você pode conversar desde o cara mais sênior ao estagiário na Seja Direto. Temos um ambiente que valoriza as pessoas de fato, sem blá blá blá. Claro que temos que entregar, startup é essa loucura. Mas o ser humano tem um papel muito importante. Isso é algo que fazemos. A gente precisa manter e crescer, ajudar a somar quem quer disseminar essa cultura. Outro ponto é que fomos reconhecidos como destaque por ajudar o ecossistema. Queremos continuar fazendo isso, não faz sentido ganhar dinheiro e crescer, gerar imposto, e não ajudar quem está no mesmo barco que a gente. Queremos ajudar assim como temos sido ajudados ao longo desses anos. A Seja Direto quer ser uma empresa sólida, obviamente, mas quer ser também uma empresa que planta algumas coisas legais para fazer o nosso ecossistema evoluir.
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Via Simi