Por Renato Carvalho/SIMI
O empreendedorismo faz parte da vida do simpático mexicano Roberto Ibarra, de 39 anos, natural de Guadalajara. Fundador da startup Expediente Azul, uma fintech que torna mais fácil e menos burocrático o recebimento de documentos por parte das instituições financeiras, Ibarra começou a empreender com 16 anos, em um negócio de vendas de computadores. Desde então, ele já passou por diversos programas de aceleração, incluindo duas rodadas do Seed, programa de aceleração do Governo de Minas Gerais.
Com o português afiado, Ibarra contou os desafios de sua jornada empreendedora, a diferença entre ecossistemas e destacou Belo Horizonte como uma cidade divertida e que proporciona felicidade aos empreendedores.
Confira, na íntegra, a entrevista e inspire-se!
SIMI: Você já empreende há quanto tempo?
Ibarra: Comecei meu primeiro empreendimento com 16 anos. Naquela época, se você queria comprar um computador, eu comprava as partes para você e te entregava o computador montado. Cada computador que eu vendia eu ganhava US$ 400 de lucro. Eu vendia um ou dois e estava rico na época (rs). Agora eu acho que se alguém ganha US$ 20 por computador é muito. Mas é um bom sinal. O empreendedor tem que estar sabendo que as coisas mudam, os modelos de negócio mudam e os mercados nascem e desaparecem. Então esse negócio que os pais falam para estudar, conseguir um bom emprego para empresas grandes, isso está difícil porque provavelmente nenhuma empresa vai durar toda vida. As empresas grandes a cada dia tem menos funcionários. Por isso, sempre fui empreendedor.
SIMI: Você já conhecia Belo Horizonte?
Ibarra: Antes do Seed eu nunca havia ouvido falar de Belo Horizonte. Para se ter uma ideia, todo mexicano acha que brasileiro é carioca. E quando a gente foi aceito no Seed nosso jeito de avaliar como era a cidade foi nos baseando pela Copa do Mundo. BH era uma cidade sede. “Ah, então deve ser uma cidade importante”, pensamos.
SIMI: Como você conheceu o Seed?
Ibarra: Eu estava em outro projeto antes, que era um aplicativo para fazer doações para caridade. O diferente é que a doação era cobrada em sua conta de telefone. Era muito simples doar. Eu estava morando no Chile, enquanto participava do Startup Chile, com aquele projeto, e eu não estava conseguindo resultados lá. O problema principal que a gente tinha era que quando a gente pegava o dinheiro da doação, a operadora ficava com metade. Então a doação acabava indo para a operadora e não para a fundação. No Chile eu recebi um e-mail, em um mailing, falando sobre o Seed. Então eu apliquei e a gente foi escolhido. Cheguei aqui em 2014, e no final descobrimos que as companhias são as mesmas, os donos são os mesmos, as regras são as mesas. Então a gente nunca soube se foi um erro da gente. Depois eu acabei me cansando daquele negócio, então resolvi tentar outra coisa.
SIMI: E aí surgiu a Expediente Azul. Como você pensou nesse modelo de negócio?
Ibarra: Eu estava tentando diferentes coisas. A minha primeira empresa séria foi uma empresa de desenvolvimento de software lá no México, chegamos a ter 70 funcionários. Um dia, já com 13 anos de empresa, a gente começou a perder a paixão pelo negócio. Decidimos vender e eu me separei daqueles sócios. Mais tarde, um desses sócios criou uma empresa financeira e ele começou a emprestar dinheiro da bolsa de valores do México. Depois de dois anos ele me liga e fala “Estou há dois anos dessa indústria e meu principal problema é pegar os documentos dos clientes para autorizar o empréstimo”. Conseguir esses documentos era uma dor muito grande, porque você precisa enviar de 15 a 30 documentos para os bancos e sempre falta um, algo está errado, está fora do prazo, faltam assinaturas, carimbos.
SIMI: E aí você viu a oportunidade de negócio…
Ibarra: Eu fiquei um mês dentro da empresa dele e eu comecei a ouvir as histórias. Quando eu vi esse problema eu pensei que já deveria existir alguma solução para isso. Eu sou de T.I e a solução não é algo muito complexo. Meu antigo sócio disse que já havia procurado muito e não achou nada. Então eu comecei a procurar e também não achei nada. Então comecei a achar a ideia interessante. Mas aí surgiram as perguntas que todo empreendedor faz. “Se ninguém resolveu o problema é porque não vale à pena ser resolvido?”. São bancos e bancos tem todo dinheiro para fazer qualquer solução que quisesse. Quando começamos a conversar com bancos grandes descobrirmos que todos os bancos têm sistemas para gerenciar documentos, mas o processo começa depois que o funcionário pegou os documentos certos e coloca dentro desse sistema. Ai tudo funciona perfeitamente. Mas o processo antes de o funcionário pegar esses documentos, e pegar esses documentos certos, é tudo manual. Começamos a trabalhar nesse problema e aplicamos para a 4ª rodada do Seed. Quando aplicamos só tínhamos um MVP, e meu sócio da antiga empresa financeira era meu único cliente. A gente foi aceito e aí muitas coisas começaram a mudar.
SIMI: O que você tirou de positivo do Seed nessas duas experiências?
Ibarra: O que é muito legal aqui é que no final é uma comunidade. Então você começa a conversar com outras pessoas, que te apresentam para outras pessoas, que podem te ajudar. A 4ª rodada teve duas coisas muito legais: a primeira é o Day Out, visitas para outras empresas, que são incríveis porque você conhece a empresa e pode fazer várias perguntas. A outra coisa muito legal da 4ª rodada é que eles faziam bancas de investidores e de clientes e tínhamos muito feedback. Uma coisa que criticavam muito era o nosso modelo de negócio. A gente cobrava por pasta ativa. O que eu descobri depois, e demorei muito para entender, é que eles falavam que a gente estava vendendo para bancos algo a 99 reais por mês. Eles falavam que tinha algo errado, que estava barato, que eu nunca cresceria. Mas uma falha minha, que eu não conseguia transmitir, é que era o preço por 20 pastas. Até então eu não sabia explicar quanto pagaria um banco, pois não sabia quantas pastas eles precisavam. Essa não é uma informação pública. Com o tempo conversando com mais pessoas dentro do banco que eu consegui entender. Agora, a primeira coisa que eu pergunto é quantas pastas precisam por mês e, em seguida, mostro uma tabela de preços. Então aí começou a fazer muito mais sentido e os valores são maiores. Isso foi algo muito bom proporcionado pelas bancas e das visitas.
SIMI: E da primeira rodada? O que te marcou?
Ibarra: Na primeira rodada eu gostava muito mais da localização, porque era no Lourdes, rodeado de bar. E eu posso falar isso, sou empreendedor, uma coisa que vale muito para os empreendedores é a felicidade. O empreendedor tem muita mobilidade, então escolher um lugar onde ele pode morar e ser mais feliz é algo importante. BH é a capital do bar, o povo é muito receptivo. Isso é um grande diferencial sobre o porquê escolher essa aceleradora (Seed) e não a de outro lugar. Para quem vem de fora é muito melhor e mais simples e confortável morar em BH. Na 1ª rodada eu descobri todas essas coisas, o coworking era numa zona com muita atividade social. Iss, soma ao que o Seed te dá e as coisas vão acontecendo.
“Quase todos temos o mesmo hardware, o cérebro é igual para todos. O que está diferente é como você acha que pode resolver os problemas. É assim que você avança, pensando em formas diferentes de solucionar problemas”
SIMI: Ao longo de todo esse tempo de empreendedorismo, o que você destaca como as maiores barreiras?
Ibarra: As maiores barreiras que eu tenho até hoje, e por isso estou nesses programas para buscar ajuda, é que o próprio empreendedor freia o empreendimento a crescer. Faço parte de um grupo do Fórum Econômico Mundial, que o nome é Young Global Leaders. Então quando você vai lá, há pessoas que criaram companhias aéreas, políticos, empreendedores sociais etc. O que eu descobri passando tempo com eles é que quase todos temos o mesmo hardware, o cérebro é igual para todos. O que está diferente é como você acha que pode resolver os problemas. É assim que você avança, pensando em formas diferentes de solucionar problemas. Como mudar o software que está na cabeça para tirar as restrições que você tem, para poder crescer mais. É isso que eu estou procurando: um lugar onde eu estou conversando com pessoas e que eu sinta que eu sou a pessoa mais boba do lugar. Dessa forma,vou aprender e me desenvolver, para pensar de uma maneira diferente. Em toda minha trajetória empreendedora, sempre procurei ficar com pessoas mais experientes que eu, para pegar esse tipo de software de uma maneira mais acelerada, sem ter que desenvolvê-lo sozinho, porque isso demora mais tempo.
SIMI: Você já passou por vários ecossistemas diferentes, como México, Chile e Brasil. O que eles têm de comum e o que tem de diferente?
Ibarra: Nunca pensei nesse nível de detalhe, mas no México a política pública é diferente. Lá eles têm um escritório do governo para atender os empreendedores, mas há poucos programas para empreendedores que estão começando. Tem muitos programas de treinamento, mas não tem algo como o Seed, com esse investimento. Eles têm programas para empreendedores muito novos e para empreendedores que estão escalando. Mas se você está um pouco além do início, aí tem um buraco e é bom procurar em outros lugares, como Startup Chile ou aqui no Brasil. Já no Chile, o Startup Chile já tem muitos anos, e como foi o primeiro da América Latina, então se tornou referência para pessoas dos EUA e da Europa. Lá, praticamente todas as semanas, tinham pessoas muito importante visitando o Chile para ver o que estava acontecendo. Então você tinha a possibilidade de conhecer gente do mundo inteiro. Nesse caso eu não consegui aproveitar isso porque eu não estava avançado como eu estou hoje. Eu não tinha nada para adicionar valor a eles.
Já no Brasil, no Seed, eu sempre falo isso e ninguém acredita, mas aqui é muito divertido. E isso é importante porque se você se sente bem, você vai entregar bons resultados. Dos programas de aceleração que eu conheço, participei do México, Europa, Chile e Brasil, esse é o único que oferece happy hour para unificar os empreendedores. É uma coisa muito boba, mas faz muita diferença. Tinha o escritório no Lourdes e para mim era muito disruptivo, já que havia aquelas maquininhas que vendem biscoito, mas que vendiam cerveja também. Nunca tinha visto isso, principalmente em programas do governo. Lá não tinha regra nenhuma de consumo de álcool, mesmo assim nunca vi um empreendedor beber uma cerveja antes das seis da tarde. Todos entendiam o momento daquilo. Essa parte social é muito mais forte aqui.
Outro ponto legal daqui, é que hoje o Banco Inter é nosso cliente porque uma pessoa que trabalhava no Seed me apresentou ao cara certo lá. Essa é a importância das coleções sociais. Quando você cria um laço com a pessoa, um vínculo, elas te ajudam mais. Foi aí que começamos a decolar, antes disso eu já tinha desistido de vender para bancos. Estava desmotivado, mas quando essa pessoa me ajudou foi muito legal.
SIMI: E a Expediente Azul hoje? Está crescendo bem?
Ibarra: Estamos bem. Quando entramos tínhamos um cliente. Agora temos 41 instituições financeiras, bancos no Brasil, em Curaçao no Caribe. No México temos instituições financeiras e empresas que oferecem serviços para o banco. Estamos avançando, conseguindo validar. Fechamos uma rodada de investimentos com um fundo do México, já estamos conversando com outro fundo de investimento. A gente ainda é startup, não saímos do vale da morte, mas estamos na luta todos os dias.
SIMI: Tem alguma dica para quem quer vender a sua empresa?
Ibarra: A dica para vender uma empresa é igual para vender qualquer coisa. Comece a ligar e oferecer a empresa como se fosse qualquer produto, porque no final a empresa é o produto mais caro que o empreendedor tem.
Conheça mais sobre a Expediente Azul
A Expediente Azul é uma ferramenta voltada para instituições financeiras que analisa e armazena os documentos enviados por um usuário interessado em um empréstimo, gerenciando as comunicações interativas. Saiba mais em http://pastas.expedienteazul.com.
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